domingo, 30 de agosto de 2009

O sistema de cotas raciais e suas implicações

Da complexa relação entre Universidade e Sociedade resulta uma série de missões impostas à primeira dentre as quais destacamos a de romper com a segregação social, significando, na prática, a integração, a eficiência e a soberania dessa sociedade. Nesse contexto, um conjunto de problemas e possíveis soluções são discutidos pela comunidade acadêmica e também por diversas representações da sociedade brasileira. Atualmente, um dos assuntos que compõem, em destaque, a pauta dessas discussões diz respeito a um sistema de cotas obrigatórias para negros, pardos e alunos da rede pública do ensino médio no processo seletivo para as universidades públicas.
O sistema de cotas nas universidades, uma promessa de campanha do Governo Lula, foi concebido com o objetivo de compensar “dívidas históricas” para com os chamados “afro-descendentes” e com os menos favorecidos, visando à redução das desigualdades sociais no Brasil. Daí, a importância de refletirmos sobre este assunto abordando-o sob vários aspectos, desde aqueles ligados à constitucionalidade, até aos impactos causados à Universidade - enquanto produtora e disseminadora de conhecimentos voltados para o bem-estar social, e ao nosso País - como um Estado Democrático de Direito.

          Partindo-se do princípio de que a Constituição Federal é a Lei Máxima à qual as demais leis devem subordinação, adotamos como ponto de apoio o artigo 3º, inciso IV (Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988) onde se afirma que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”  Depreende-se desta norma constitucional o primeiro disparate do sistema de cotas: “promover o bem” é o mandamento constitucional, porém, não pode haver nenhuma forma de preconceito, discriminação ou qualquer ação que favoreça uns em detrimento de outros. Até na própria nomenclatura para identificar o regime – “Sistema de cotas para negros e pardos” – percebe-se a inconstitucionalidade traduzida pelo racismo e discriminação. Diz ainda o texto constitucional em seu artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”.  Constitucionalmente, portanto, não existe apoio para a adoção de práticas discriminatórias sejam quais forem os fins pretendidos.

          Do ponto de vista histórico, ressaltamos que no Brasil, após a abolição do regime escravocrata, em 1888, nunca houve impedimentos institucionais aos negros. É o contrário do que ocorreu em países como os Estados Unidos e a África do Sul, onde existiram claramente limites definidos para a separação de negros e brancos (por exemplo, o “Apartheid” na África do Sul). Ao abandonarem seus regimes segregacionistas, esses países procuraram amenizar a discriminação dos negros com a utilização de cotas raciais nas escolas e nos ambientes de trabalho. Entendemos que essa prática seja inadequada para o Brasil pois, mesmo existindo em nossa sociedade uma discriminação tácita, ainda assim, há entre nós uma convivência pacífica no que diz respeito às nossas diferenças, além de que, qualquer forma de manifestação que enalteça ou faça apologia à discriminação, tem sido reprimida nas formas da lei. Portanto, a adoção de um sistema de cotas raciais em nosso país é, sim, a oficialização da discriminação racial.

          Abordando-se a questão sob o prisma genético, deparamo-nos com algo ainda mais complexo. De acordo com estudiosos e trabalhos científicos produzidos na área, é possível que haja uma maior variação genética entre pessoas da mesma raça do que entre outras, de raças diferentes. Geneticistas defendem que aspectos físicos, como a cor da pele, são determinados por uma quantidade muito pequena de genes, os quais representam muito pouco no conjunto genético humano. Estudos recentes também já comprovaram que negros brasileiros por parte de pai possuem, em média, uma carga genética maior do europeu do que do africano. Tais fatos talvez justifiquem as confusões que já acontecem nas universidades que adotaram o sistema de cotas raciais. Por exemplo, pessoas há que se autodeclaram negras e que, na avaliação da universidade, foram consideradas brancas; existiram casos de gêmeos univitelinos que foram classificados diferentemente entre eles. Alguns desses desencontros têm sido objeto de demandas judiciais e, o que é pior (ou melhor?), têm levado as universidades a reverem seus métodos e decisões quantos às suas classificações de negro e branco. Tudo isso nos leva à descrença em relação à eficácia dessa classificação racial.

          Outro questionamento que fazemos com relação ao regime de cotas raciais refere-se à operacionalização do sistema e seus reflexos para a Universidade enquanto produtora, disseminadora e socializadora do conhecimento. Como dissemos, os alunos que se encaixam no perfil de cotas, têm acesso ao mundo acadêmico simplesmente com o alcance da nota mínima no exame.  No nosso entendimento, esse requisito “mínimo” coloca em xeque o potencial do futuro pesquisador, especialista ou profissional da área. Teriam tais alunos condições de reverter a aprendizagem deficitária proveniente do Ensino Médio nas escolas públicas, como é o caso da maioria? O Governo teria bolsas de estudo suficientes para garantir-lhes o sustento e a permanência na Academia? As universidades estariam preparadas para a demanda por cursos noturnos por parte dos alunos que trabalham durante o dia? E a principal pergunta: a qualidade da Universidade, como produtora do saber, não seria comprometida pela suposta mediocridade dos beneficiados pelo sistema de cotas? Tais questionamentos são importantes e devem ser levados em consideração enquanto há tempo.

          Como soluções para o problema da desigualdade social em nosso país, somos a favor de outras espécies de ações afirmativas que não o sistema de cotas raciais, por exemplo, entendemos que um grande passo a ser dado pelo Governo Federal seria investir pesadamente na melhoria do ensino público (Fundamental e Médio), buscando as razões da evasão escolar, da aprendizagem deficitária, de professores desmotivados e atuando corretiva e preventivamente de forma a termos todos os alunos, - independentemente, de origem, raça ou cor -, em condições de semelhança intelectual para prestarem o vestibular em igualdade de condições. Uma vez conseguido o acesso à Universidade, os alunos deveriam ser contemplados com uma política governamental de incentivos que lhes dessem tranquilidade e condições suficientes para a permanência na universidade, conclusão de seus cursos e, - o que seria a excelência!-, para trilharem o caminho da pesquisa e produção de conhecimentos.

Portanto, entendemos que o sistema de cotas raciais é inconstitucional e historicamente inadequado para o nosso país, além de trazer várias implicações para a Universidade no sentido de comprometer a qualidade de sua missão maior que é a produção, disseminação e socialização do conhecimento, buscando a integração social, a eficiência e a soberania do nosso país.  Para o Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, o sistema de cotas implica em afronta aos princípios constitucionais, configurando uma legalização do racismo e da discriminação.
Como ações afirmativas para reduzir a desigualdade no país, sugerimos o investimento maciço no ensino básico e nas políticas governamentais de incentivo à permanência do aluno na Universidade. Aí, sim, estaríamos diante de ações verdadeiramente afirmativas e em consonância com a nossa Constituição no que concerne à produção do bem-estar social, sem a utilização de práticas discriminatórias. Cremos também que, pela complexidade que lhe é peculiar, este assunto não se esgotará facilmente, o que, sem dúvida, trará ainda muito calor à discussão.


* Oséas Felício de Lima é Bacharel em Administração de Empresas, com Pós-Graduação em Gestão Empresarial (MBA) pela Fundação Getúlio Vargas / FGV, Instituição na qual também possui o Curso de Docência para o Exercício do Magistério Superior.

Contato:
E-mail: oseasf.lima@gmail.com
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Twitter: OseasLima

2 comentários:

  1. Olá Oseas, tudo bem?
    Agora também sou sua seguidora.
    Parabéns pelo blog.
    Beijos

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  2. Oi, Débora! Também gostei bastante do seu Blog. Na verdade, o que me conduziu ao blog foram os seus excelentes artigos. Também assisti aos seus vídeos, naveguei no seu site e gostei bastante de tudo isso! Obrigado por me seguir e PARABÉNS pelo seu trabalho! Ah,... Eu também tento ser músico e achei o máximo aquele seu solo de violino! (eheheheh)Valeu!

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